"Meias verdades" - Capítulo 4: As mensagens

O clima lá fora acompanhava a aúrea dos dois indivíduos num quarto escuro. Ninguém falava assim como a noite que chegara e se calara como se prestasse atenção aos mínimos suspiros e corações batendo que emanavam por de trás da janela com insulfilm.
Jorge apoiava a testa sobre o antebraço que por sua vez estava encostado no vidro frio e Lúcia estava sentada na cama com as mãos cobrindo o rosto como se aquilo de alguma forma fizesse a grande dor de cabeça que sentia sumir.
-É hediondo... Doentio e cruel... - Lúcia diz puxando o ar com força para tentar terminar a frase. -Tudo bem que o Fausto não aprovava o casamento de vocês, mas... Isso?
A mulher encara o sombrio que pulsava da tez de Jorge impossível de se esconder.
-Desde o começo Luci... Desde o começo. Ele nem chegou a ir ao casamento. Isso arrasou com a Alice. - Jorge olha para o carpete encardido juntando todas as imagens na cabeça que envolviam os dois e o pai dela. -Ele a ameaçou.
-Eu sei... - Ela diz com um ar fadigado lembrando de todas as discussões e brigas que Alice tinha com o pai e o quanto isso fazia mal a ela.
Os dois ficam em silêncio um instante ainda tentando digerir a situação. "Alice morreu"... Era como um fantasma que só aparecia no silêncio assombrando os rostos retesados de quem a amava tanto. E enquanto o sentimento de desespero e tristeza era compartilhado por ambos, era somente nos olhos verdes de Jorge que queimavam e manchavam de vermelho a vingança e raiva que sentia.
-Você também foi interrogado pela polícia?
-Sim, mas não contei toda a verdade.
-Como assim você mentiu para a polícia? -Lúcia diz em alerta se levantando em seguida da cama. -Isso pode influir no caso, pode ser relevante, além de poder apontar você como suspeito.
-Eu não menti para a polícia Lúcia... -Jorge levanta os olhos margeados de lágrimas sorrindo macabramente. -Digamos que contei apenas meias verdades...
Lúcia fita os olhos baixos e vivos de Jorge com repulsa pelo tom sarcástico que tanto odiava nele. Não acreditava que tinha feito aquilo, sempre fora muito teimoso e agora ainda mais com a morte de sua amada.
-Não aprovo.
-Só fui à praça Lúcia... Só à praça. -Ele diz agora mais sereno e olhando para fora da janela do quarto.
De repente uma luz branca pisca dentro da bolsa de Lúcia e outra vibra sob o paletó de Jorge, era meia-noite em ponto e já não havia mais movimento na rua lá embaixo, a noite calada apenas sussurrava o prim-prim-prim de dois celulares sincopados no quarto.
Jorge se adianta retirando o celular do bolso encarando em seguida a tela de cristal líquido informar que havia chegado uma mensagem. Lúcia por sua vez correu até a sua bolsa sob o criado-mudo pegando logo depois seu celular que também continha uma mensagem.
-Mensagem? -Ela o encara com um pouco de medo pela coincidência.
-Sim. -Ele responde sério fingindo não compartilhar da ansiedade que havia se formado.
Não aguentando mais um segundo, os dois apertam o botão de "abrir" e se deparam com a mensagem mais assustadora que haviam visto na vida. Lúcia se deixa cair no chão de tanto espanto enquanto Jorge se escora na janela, pois suas pernas não mais respondiam. Era Alice... Era uma mensagem do celular da Alice para os dois, ali, à meia-noite colorindo antigas faces tristonhas em horror após lerem as duas simples frases:
-"Vida"...
-"Escolha"...

[CONTINUA...]